Pitaco Cultural https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br Suas impressões sobre filmes, peças, música e comida Tue, 07 Dec 2021 18:35:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Folha nasceu no mesmo ano que Lana Turner e Ruth de Souza, lembra leitor https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2021/02/24/folha-nasceu-no-mesmo-ano-que-lana-turner-e-ruth-de-souza-lembra-leitor/ https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2021/02/24/folha-nasceu-no-mesmo-ano-que-lana-turner-e-ruth-de-souza-lembra-leitor/#respond Wed, 24 Feb 2021 13:00:17 +0000 https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/charles-300x215.jpg https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/?p=1209 O pitaco de hoje é do leitor Adilson Carvalho, 51, do Rio de Janeiro. Adilson é cinéfilo, já foi assistente de Rubens Ewald Filho, e mantém um canal no YouTube em que fala sobre a sétima arte.

Aqui, ele manda sua contribuição para o centenário da Folha, fazendo um paralelo entre a história do jornal e a do cinema.

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Centenário é uma marca muito importante, principalmente sendo o de um veículo de informação como a Folha de S.Paulo. São 100 anos de credibilidade e de fidelidade ao seu público leitor.

Como cinéfilo, vejo a data igualmente importante pelo grande valor que o jornal sempre deu à sétima arte. Publica artigos mil e dá destaque para o que o cinema tem produzido –lembrando que, no fim do ano passado, celebramos 125 anos desde a exibição pública dos irmãos Lumière, que acendeu um século de luzes.

No ano em que nasceu esta renomada publicação, Rudolph Valentino era o ídolo das telas, imagem de sedução de um “latin lover” que explodia internacionalmente com “O Sheik”. Chaplin e Jackie Coogan arrancavam risos e lágrimas em “O Garoto”, um de seus maiores sucessos em uma era que ninguém falava nas telas.

No mesmo ano em que Folha imprimia suas primeiras páginas, nasciam Lana Turner, Cyd Charisse, Jane Russel e Deborah Kerr, estrelas de uma Hollywood que igualmente engatinhava. Por aqui, nomes nacionais também chegavam ao mundo, como Ruth de Souza e Cacilda Becker.

Folha sempre soube destacar a arte cinematográfica e passar informação sobre filmes. Para isso, organizou primorosas coleções vendidas inicialmente aos domingos –como em 1997, auge do VHS, com 30 filmes incluindo as obras “E La Nave Va”, de Fellini, ou “Lua de Fel”, de Polanski.

Com a chegada do formato digital, a Folha possibilitou ao público ter acesso a clássicos do cinema, muitos dos quais sem espaço de exibição na TV, aberta ou por assinatura. Lembrou o trabalho de nomes da era de ouro, com as coleções Grandes Astros do Cinema e Grandes Diretores do Cinema.

Nestas, era oferecido ainda um livreto repleto de informações e dados biográficos, agradando não só aos colecionadores e cinéfilos como ao público em geral. Foram nomes como Jean Renoir, Alfred Hitchcock, Serguei Eisenstein, Billy Wilder e Ernst Lubitch.

Vejo que o amor pelo cinema ocupa um lugar especial nesses 100 anos do jornal, que acompanhou sua evolução. Cobriu a chegada do som ao filme com “O Cantor de Jazz” (1927), o crescimento das salas de exibição no país e a divulgação das premiações, como Oscar, Cannes e Gramado.

Dos filmes na TV ao crescimento do home vídeo, do VHS e do cinema digital, o centenário significa muito para quem ama cinema. Celebremos essa data sob as luzes dos holofotes que fazem história em som, imagem e, graças à Folha, em palavras.

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E você, que filmes, séries ou peças tem assistido? Viu algum espetáculo online ou presencial na pandemia? Escreva para pitacocultural@gmail.com e envie sua resenha. Não esqueça de mandar nome completo, profissão, idade e cidade.

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Dez séries e filmes turcos para assistir no streaming https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2020/12/25/dez-series-e-filmes-turcos-para-assistir-no-streaming/ https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2020/12/25/dez-series-e-filmes-turcos-para-assistir-no-streaming/#respond Fri, 25 Dec 2020 22:09:31 +0000 https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/intersection-300x215.jpg https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/?p=1151

Por Livia Marra*

Com história e beleza, a Turquia fascina visitantes. Comerciantes, apoiados por copos de chá, apostam em simpatia e boa conversa para vender seus produtos. As produções para cinema e TV no país seguem o mesmo caminho.

Tramas com forte carga emocional, questões ligadas à família ou comunidade, um humor um tanto simplório e cenas de romance recatadas —em contraposição às de assassinatos. Com uma dose de água com açúcar, roteiros têm certa magia para prender o espectador, mesmo que as situações se desenrolem para um desfecho óbvio.

O drama “O Milagre da Cela 7”, refilmagem de um longa sul-coreano, fez sucesso na Netflix no começo de 2020 e dividiu opiniões. Mas também chamou a atenção para as produções do país, que ganharam a audiência dos brasileiros.

Na plataforma há boas opções  —e outras nem tanto— para se conhecer um pouco da cultura, de velhos hábitos retratados ou para se divertir sob apelo ao fantástico e ao sobrenatural.

Conheça algumas e divirta-se!

SÉRIES

“8 em Istambul” (2020) – O roteiro denso entrelaça personagens de diferentes classes sociais sob efeito da cultura e da religião em seu cotidiano. Cenas silenciosas e lentas revelam sequências que valem a pena a espera. A trama chama a atenção para a opressão e a importância da saúde mental.

*aviso: trailer disponível apenas em turco!

“Love 101” (2020) – O enredo reúne um grupo de estudantes problemáticos e uma aluna exemplar, que, juntos, enfrentam desafios e descobrem a amizade e o amor. Série adolescente, mas para ser assistida sem constrangimento também pelos mais velhos, que vão se lembrar dos tempos de colégio. A produção foi alvo de polêmica: houve rumores de que um personagem gay teria sido removido do roteiro devido a pressões externas do governo, o que foi negado pela Netflix.

“O Segredo do Templo” (2019) – As primeiras cenas não empolgam, mas isso muda em minutos. O suspense que cerca a busca de um pintora por um elo ao seu  passado, envolvendo um desenho e um sítio arqueológico, faz o espectador emendar um episódio no outro sem perceber.

“O Último Guardião” (2018) – A fantasia extrapola e, ao mesmo tempo, prende a atenção. O título diz tudo: a série narra a saga de um jovem que se descobre membro de uma ordem secreta e tem como missão salvar a cidade de um inimigo imortal. Pode parecer uma mistura de “Homem de Ferro” e “Crepúsculo”, só que mais eletrizante. Apesar do roteiro tolo, a produção é boa e tem a encantadora Istambul como pano de fundo.

“Intersection” (2016) – O trailer pode não agradar de cara, mas cativa a trama ao redor do ex-piloto transformado em homem de negócios e das pessoas que vão cruzando seu caminho. Há amores, desencontros, mágoas, puxadas de tapete e problemas cotidianos que poderiam se encaixar na vida real. Mesmo que o círculo vicioso de conspirações se torne um pouco cansativo, Ali Nejat (Ibrahim Çelikkol), o personagem principal, é a recompensa pelas mais de duas horas de cada episódio —e é inevitável a torcida pelo desfecho de cada situação.

FILMES

“Expresso do Destino” (2020) –  Em uma longa viagem, um casal de desconhecidos inesperadamente compartilha a mesma cabine de trem, e o tempo revela uma conexão na vida romântica de ambos, desilusões e a vontade de deixar o passado para trás.

“Confusão em Família” (2017) – Para assistir sem pensar em nada, enredo traz a inesperada amizade entre um homem em crise conjugal e uma cantora. Com a proximidade, ele acaba entrando em cena como pai da filha da nova amiga, que está prestes a se casar —é isso significa algumas trapalhadas pelo caminho.

“Görümce” (2016) – Comédia romântica tem no elenco Buğra Gülsoy, galã conhecido no Brasil pela novela “Fatmagül – A Força do Amor”, exibida na Band em 2015. No filme, ele enfrenta o ciúme da irmã, que tenta de tudo para arruinar seu noivado.

Ekşi Elmalar” (2016) – Com bela paisagem e figurino colorido, história começa em uma cidade do interior, no final dos anos 1970, e mostra costumes e diferenças culturais no país. As três filhas do prefeito, que atraem a atenção de pretendentes, tentam seguir seus caminhos, apesar da criação rígida e de proibições.

“The Butterfly’s Dream” (2013) – Dirigido por Yilmaz Erdogan, foi selecionado para representar o país na disputa de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2014. Em plena época da 2ª Guerra, quando homens eram obrigados a trabalhar compulsoriamente em minas de carvão, dois jovens poetas e doentes se encantam por uma garota, que inspira a dupla. O enredo enaltece a literatura e a poesia e, como a maioria das produções baseadas em história real, é drama para se assistir com lencinho do lado.

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O pitaco de hoje é uma contribuição de Livia Marra, jornalista autora do blog Bom pra Cachorro, da Folha.

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Vale a pena pagar R$ 100 para assistir a um filme em cinema drive-in? https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2020/08/17/vale-a-pena-pagar-r-100-para-assistir-a-um-filme-em-cinema-drive-in/ https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2020/08/17/vale-a-pena-pagar-r-100-para-assistir-a-um-filme-em-cinema-drive-in/#respond Mon, 17 Aug 2020 13:00:44 +0000 https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/drive-in-300x215.jpg https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/?p=949 Com a pandemia do coronavírus, o setor de entretenimento teve que se reinventar. Ou resgatar hábitos antigos, como o cine drive-in, que voltou a ser opção para quem quer ir ao cinema sem o risco de estar em um espaço com aglomeração.

Iniciativas do tipo pipocaram na capital paulista, que já conta com ao menos sete opções: Arena Estaiada Drive-in, próximo à ponte estaiada; Villa Open Air, no shopping Villa-Lobos; Drive-in Paradiso, no estacionamento da Assembleia Legislativa; Cine Drive-in do shopping Morumbi Town; Belas Artes Drive-in, no Memorial da América Latina; Super Cine Espaço das Américas e o Tom Brasil Experience Drive-In, próximo à casa de shows.

Como a Covid-19 adiou datas e mudou todo o calendário da indústria cinematográfica, esses espaços, não exibem estreias. Alguns apostam em clássicos –como “Cantando na Chuva”, em cartaz no Belas Artes; outros em filmes de terror (como “A Maldição da Freira”, em cartaz no Drive-in do Morumbi Town), e outros ainda em documentários. A programação tem ficado mais diversificada.

A questão é que o ingresso de cada carro custa em torno de R$ 100. Alguns espaços cobram por pessoas, e a maioria por veículo –que pode ter até quatro pessoas. Mas, vale lembrar: o banco de trás fica com a visão bastante prejudicada, não sendo, portanto, uma boa escolha. Não é muito dinheiro para um período de crise?

Este blog foi bastante cético ao ir à sua primeira sessão em drive-in, e acreditava ser um investimento fadado ao fracasso. Só que não é.

Salvo um dia com tempo ruim (muito úmido, que pode embaçar o vidro), a visão da tela é perfeita. É possível assistir ao filme sem o desconforto de ter que pedir para seu vizinho de fileira ficar quieto, ou para seu vizinho de poltrona desligar a tela do celular. O som, sintonizado por rádio, funciona muito bem. Dá para baixar o banco e ficar numa boa… melhor do que muitos cinemas com sessões lotadas.

A pipoca não fica de fora: por meio de aplicativo de celular, é possível pedir algo para comer. Na sessão vivenciada pelo Pitaco Cultural, era possível até pedir quitutes de restaurantes parceiros, como o Outback. E sem temer pela segurança, já que os únicos contatos diretos com pessoas são na entrada, para medição de temperatura e validação do ingresso, e na entrega da comida. Funcionários estão todos sempre bem paramentados, e entregam o pedido pela janela do carro.

Dá um gostoso toque à experiência o ar retrô de vivenciar os anos 1950 e 1960 em pleno século 21.

Mas é claro que estamos falando de um produto com limitações. A começar pelo fato de que, para ir a uma sessão, é preciso ter um carro.

Quem pode desembolsar R$ 100 terá uma ótima opção de divertimento para tempos tão reclusos. Só que há, ainda, muito o que se adaptar para que o entretenimento não fique restrito às classes média e alta durante a pandemia.

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E você, que filmes ou séries te inspiram nesse momento? Escreva para pitacocultural@gmail.com e envie sua resenha. Não esqueça de mandar nome completo, profissão, idade e cidade.

Filme exibido no Open Air, drive-in do shopping Villa-Lobos (Reprodução)
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‘Parenthood’ realça conflitos e afetos em família e inspira na pandemia, diz leitor https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/parenthood-realca-conflitos-e-afetos-em-familia-e-inspira-na-pandemia-diz-leitor/ https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/parenthood-realca-conflitos-e-afetos-em-familia-e-inspira-na-pandemia-diz-leitor/#respond Thu, 25 Jun 2020 15:19:54 +0000 https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/série1-1.jpg https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/?p=870 O pitaco de hoje é do leitor Gabriel Neves Matos, 21, estudante de jornalismo na Universidade Federal de Goiás (UFG).

Gabriel conta que tem assistido a séries no período da quarentena porque é o quando se sente “mais desligado dos ruídos e do caos lá fora”, e que não costuma ver histórias que dialogam com o caos, como séries distópicas. A ideia, diz ele, é desconectar deste tipo de narrativa.

O texto que ele compartilha com os leitores é sobre “Parenthood”, disponível na Amazon Prime Video. Confira.

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E você, que séries te inspiram nesse momento? Escreva para pitacocultural@gmail.com e envie sua resenha. Não esqueça de mandar nome completo, profissão, idade e cidade.

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“Parenthood” (NBC, 2010) é um drama que gira em torno da família Braverman. A série acompanha desde os avós (patriarcas da família) até os netos e aqueles que vão chegando ao longo do caminho, como namorados e amigos.

Tenho me inspirado nela nesses dias, sobretudo porque se trata de uma série que mostra “o lado de dentro”. Com tantos dias em casa, a convivência em família realça conflitos e afetos e propõe dinâmicas –se quisermos permanecer em harmonia uns com os outros.

“Parenthood” é sobre isso: como nos relacionamos, de onde tiramos nosso sustento (e não falo de finanças) e por que corremos atrás de algumas coisas quando, no final, o que importa não é o tanto que caminhamos –mas, sim, o que guardamos conosco, o que mantemos vivo por dentro.

Peter Krause e Max Burkholder em cena de ‘Parenthood’ (Divulgação)

Em “Parenthood”, o filho pequeno com síndrome de Asperger pode ser um grande problema para se transpor; duas primas flertando com o mesmo rapaz podem causar a desavença entre os próprios pais; e a maturidade pode não ser o tempo de sanidade e boas decisões.

A série aborda de maneira quase superficial o que nós temos de superficial, mas que quase nunca é confrontado no dia a dia do trabalho, ou entre amigos. É só ali, à mesa, na convivência familiar, que tudo ganha seus devidos contornos.

Em meio à crise(s), seja de qual for a ordem, o que nos resta é a família, e sempre será assim. E sempre lembrando que família são aqueles do nosso sangue, sim, mas também são os outros que, não tendo o nosso sangue, têm o nosso espírito e vivem conosco.

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Distintos e complementares, ‘Bacurau’ e ‘Parasita’ refletem sobre resistência, diz leitor https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2019/12/20/distintos-e-complementares-bacurau-e-parasita-refletem-sobre-resistencia-diz-leitor/ https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2019/12/20/distintos-e-complementares-bacurau-e-parasita-refletem-sobre-resistencia-diz-leitor/#respond Fri, 20 Dec 2019 19:55:50 +0000 https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/parasita-300x215.jpg https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/?p=559 O pitaco de hoje é de João Estevam Lima de Almeida, 49, pernambucano que reside em São Paulo há oito anos. João é arqueólogo, historiador e escreve poemas, contos e crônicas. Além disso, “curte muito cinema”, como ele mesmo diz.

Para o Pitaco Cultural, faz uma resenha comparando os longas “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho, e “Parasita”, de Bong Joon-Ho. Aclamados, “Bacurau” levou o prêmio do júri no Festival de Cannes de 2019, enquanto “Parasita” foi vencedor da Palma de Ouro em Cannes.

Confira.

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Seria possível comparar “Bacurau” e “Parasita”, dois filmes tão distintos? Quase não me atrevo a tecer reflexões sobre cinema, no entanto as perspectivas de um e de outro me fazem tentar criar paralelos. Não me aterei às suas sinopses; deixo ao leitor desta crônica que ainda não os assistiu (ou se ateve aos seus enredos) fazê-lo.

Sim, é possível tecer vários paralelos entre o filme de Kleber Mendonça Filho e o de Bong Joon-Ho. Atenho-me à perspectiva do lugar do outro. Em tupi, o nome Bacurau pode ser assim descrito: mbaé (bicho) e curau (que volta à cabeça). Biologicamente, parasita diz-se de um organismo que vive em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano. Estão aí as metáforas centrais de um e outro para criar reflexões sobre a resistência.

Se em “Bacurau” o pássaro vai se mostrando aos poucos, demonstrando que a alteridade não quer se submeter a uma ordem estereotipada que não concebe ver o outro, em “Parasita” a invisibilidade vai se descortinando paulatinamente para chegar ao ápice.

Sim, os filmes podem à primeira vista parecer diametralmente opostos, mas firmam o lugar da resistência, onde há tensão e agrilhoamento por trás de um sistema capitalista perverso, perverso em todas as suas sutilezas e agressões, e a colocar à margem aqueles que não estão no centro do que se chama aquisição, consumo.

Vou pelo viés do espaço e do lugar para tentar traçar um paralelo entre um pássaro que se camufla para sobreviver e outro organismo que se torna invisível ao máximo para estar no lugar que poderia ser seu de direito. Em “Bacurau”, Kleber Mendonça Filho usa aspectos bem delimitados e a linguagem cinematográfica hollywoodiana para construir seu espaço de alteridade.

Bacurau, além de ser um pássaro, é uma cidade –cidade esta que simplesmente é apagada do mapa. Ela não existe e as pessoas que ali habitam não têm alma, porque não estão alinhadas ao sistema daqueles que concebem o mundo de forma unívoca e pobremente ocidental (no seu aspecto mais superficial, sem horizonte).

Aqui, Kleber Mendonça Filho estabelece o lugar do outro e o mostra por meio da lente daquele que não consegue ver o diferente; os elementos vão se descortinando e Bacurau, como um pássaro que antes se camuflava na caatinga, agora se mostra exuberante, atento e vigilante ao inimigo. A resistência é explícita, porque Bacurau existe, tanto como lugar, quanto como identidade.

Em “Parasita” se vê a justaposição de dois espaços em uma ótica oriental. O espaço do pobre, que para muitos não é harmônico, não é “clean”. É caótico e desproporcional se comparado com formas modernas, retas e bem delineadas de uma casa de um casal de classe média-alta em algum país oriental. O espaço da pobreza é tangencialmente sem estrutura; demarca o que é desigual, coloca o outro no limite entre viver e sobreviver.

A riqueza é proporcional e bela; a pobreza é feia, caótica e desproporcional. Aqui, o espaço, o lugar do outro, é paulatinamente habitado, ocupado e utilizado por aqueles que não deveriam ali estar.

Se em “Bacurau” há a invasão de um espaço ocupado por um invasor, que não concebe outro lugar e outro modo de vida que não aquele que circunscreve o seu mundo, levando a alteridade a lutar por aquilo que lhe pertence por direito –o direito de existir e de estar neste mundo–, em “Parasita” há a estranheza de se estar naquele organismo, que deveria ser de todos, mas pertence apenas a uma classe. Assim, o organismo que passa a viver daquele outro organismo precisa, em um primeiro momento, tornar-se invisível ou parecer-se ao máximo com aqueles que não são de sua classe.

Em “Bacurau”, o filtro é aumentar a lente ao máximo, como em um telescópio que consegue aproximar uma imagem com uma distância de milhões de estrelas. E ao aumentar a imagem, mostrar o outro que resiste, mesmo que ao invasor pareça aberrante, antinômico.

“Parasita” nos mostra que o pequeno organismo que se infiltra, adentra, se instala e passa a sugar daquele organismo que é estranho, mas que não precisaria ser, leva à sua própria estranheza, à sua própria alteridade.

Resistir se constitui perceber-se estranho e pertencente a este espaço, usufruí-lo. Kleber Mendonça Filho opta pela visibilidade do espaço da alteridade, do outro, que em um mundo distópico não consegue enxergar o outro. Bong Joon-Ho nos mostra que o caminho de uma invisibilidade não é mais possível, na tensão ambivalente que o cheiro pode provocar.

O pobre ao rico cheira mal e o coloca preso ao seu lugar. A fronteira é invisível, mas ela ali está, e demarca a barreira quase intransponível a separar dois mundos que não tentem ultrapassá-la. O cheiro da estratificação social torna-se uma bomba-relógio, que em determinado momento explode e lança seus estilhaços para todos os lados. Ninguém sairá ileso…

Sim, “Bacurau” e “Parasita” são filmes distintos e complementares. Metáforas antinômicas que confrontam a mesma distopia. No primeiro, a resistência é explícita, visual: o outro quer ocupar o lugar que querem tomar, erradicar, apagar, mas ele teima em se mostrar, não mais se camuflar, demarcar seu espaço. No segundo, a resistência é implícita, inescapável, quase invisível, sinestésica –e o outro ali está, mesmo que o não queiram senti-lo.

No lado ocidental a antinomia se mostra, no lado oriental o cheiro irrompe. Bacurau existe e o parasita vive!

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Veja onde assistir a “Bacurau” em São Paulo aqui. E “Parasita”, aqui

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‘Coringa’ é soco no estômago e faz refletir sobre catatonia da sociedade, diz leitora https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/coringa-e-soco-no-estomago-e-faz-refletir-sobre-catatonia-da-sociedade-diz-leitora/ https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/coringa-e-soco-no-estomago-e-faz-refletir-sobre-catatonia-da-sociedade-diz-leitora/#respond Tue, 29 Oct 2019 12:30:34 +0000 https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/coringa-300x215.jpg https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/?p=446 O pitaco de hoje é da leitora Sônia Rampim, que mora em Brasília, no Distrito Federal. Sônia é socióloga, educadora e técnica do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Ela atua na área de educação e participação social nas políticas públicas de patrimônio cultural.

Escreve, para o Pitaco Cultural, sobre o filme “Coringa”, que está em cartaz nos cinemas e foi avaliado com cinco estrelas (ótimo) pela crítica especializada da Folha. O longa, que causou polêmica antes mesmo de estrear por conta das cenas violentas, destrincha a história do vilão do universo de Batman. Confira, abaixo, o texto.

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“Coringa” (2019), dirigindo por Todd Phillips com brilhante atuação de Joaquin Phoenix, estreou no dia três de outubro e é daqueles filmes que geram conversas no trabalho, debates nas mesas de bar, acaloradas discussões e insônias. Permite interpretações livres sobre o que é real nas cenas e o que é parte dos delírios da mente vulcânica de Arthur Fleck, sobre a gênese desse personagem e sobre seu engajamento em causas sociais, mesmo que involuntário. Traz o prazer de entendimentos espontâneos, comuns nas chamadas obras de arte abertas.

A construção psicológica do personagem é ressignificada para além do maniqueísmo presente nas sagas de super-herois tradicionais. Um dos méritos do filme é a preservação da memória coletiva sobre a narrativa do Batman. Os elementos da composição e construção da história estão lá, mas a releitura da complexa formação da personalidade de Arthur inova ao colocar variáveis sociais como componentes que servem de liga para a consolidação de um Coringa que se transforma aos olhos dos espectadores.

Arthur Fleck foi socializado na Gotham City caótica que parece representar os tempos e espaços contemporâneos, com dez mil toneladas de lixo espalhadas pelas ruas e vidas dos cidadãos. A cidade fictícia revela um Estado ausente que reforça a invisibilidades dos excluídos que projetam suas carências e indiferenças em vazios transformados em terrenos férteis para o inconsciente coletivo clamar por uma salvação mágica, vinda de um anti-herói, sofredor e silenciado, que acredita que as pessoas estão loucas e não se afetam com a dor alheia.

As contradições presentes entre os limites do ser herói ou ser vilão levam o público a se identificar com a saga de Arthur, que se torna um símbolo dos oprimidos por uma elite predatória. Em outras palavras, a identificação se processa no campo do demasiadamente humano. A universalidade arquetípica da vivência nos limites confusos entre o que é ser “bom” e o que é ser “mau” invadem o espectador quando este se coloca na pele e nas dores do Coringa.

A máxima de George Orwell, presente na “Revolução dos bichos” – de que alguns cidadãos são mais iguais que outros – permeia o cenário político da narrativa e nutre Thomas Wayne, progenitor de Bruce Wayne, o Batman de uma Gotham City que se assemelha à fazenda dos bichos, onde os porcos desfrutam dos privilégios do poder de uma sociedade falida e excludente. Somado a esse contexto, o drama pessoal de Arthur integra a composição de sua personalidade que luta em todos os segundos de sua vida miserável na expectativa de realizar o desejo de visibilidade, de palco, de aplausos e risos, de atenção, de empatia, de afetos, de reconhecimento e, sobretudo, de escuta.

Arthur possui uma “risada não compatível com o sentimento”, frase escrita no cartão do serviço social que traz consigo para explicar e evitar possíveis constrangimentos no convívio social obrigatório. E qual será seu sentimento? O que passa por sua cabeça? O que o palhaço triste quer da vida? O público anseia responder a essas questões quando reconhece intimamente a risada do personagem como se fosse sua, expressão de uma angústia que, no caso dele, se manifesta como um distúrbio mental que se agrava em situações de tensão.

Para além de representar a possibilidade de identificação com cenários sociais muito presentes na realidade desses tempos difíceis, o filme é um soco no estômago. Faz refletir sobre esse estado catatônico em que parte da sociedade contemporânea se encontra diante das barbaridades e estupidez que atingem o direito à vida, à diversidade cultural, aos diferentes jeitos de se estar no mundo. Faz pensar, também, sobre os significados da violência contemporânea como resultado de processos sociais e coletivos e que se entranha no cotidiano, às vezes, como solução para distopias emergentes.

Se a arte e os artistas têm o poder de antecipar quase que profeticamente o que está por vir, parece que questões estão postas. A risada estridente, desesperadora e catártica do Coringa, de alguma forma simboliza o estado de espírito que se instala nos que se opõem a esses desmandos autoritários e predatórios. Revela as dores do silenciamento e da invisibilidade de vidas que lutam pela existência.

“Nem eu mesmo sabia se eu realmente existia”, disse o protagonista à responsável pelo serviço social falido que o desligara do atendimento contínuo. No final do filme, esse pronunciamento tem o papel fundamental de coroar o roteiro com um dilema profundo: o que é, afinal, a existência humana? Essa tomada de consciência, vinda de um anti-herói, faz ressoar uma outra questão crucial para o entendimento desses tempos assustadores: será que o mundo está gestando um desejo de Coringas?

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Confira salas e horários para assistir ao filme em São Paulo aqui.

]]> 0 Tecnologia e nostalgia se unem para encantar em ‘O Rei Leão’, conta leitora https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2019/07/25/tecnologia-e-nostalgia-se-unem-para-encantar-em-o-rei-leao-conta-leitora/ https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/2019/07/25/tecnologia-e-nostalgia-se-unem-para-encantar-em-o-rei-leao-conta-leitora/#respond Thu, 25 Jul 2019 17:27:23 +0000 https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/rei-leao-300x215.jpg https://pitacocultural.blogfolha.uol.com.br/?p=140 O pitaco de hoje é da leitora Cecília Brazil, de 28 anos, que trabalha na área de marketing digital. Ela assistiu ao live-action de “O Rei Leão”, que entrou em cartaz nos cinemas de todo o país na última quinta (18/7), e gostou do que viu –principalmente pela nostalgia que o filme traz para quem era criança na época.

Mas Cecília adverte: cuidado com a fila na hora de comprar os ingressos! Confira abaixo, e saiba em quais salas de cinema assistir a “O Rei Leão” em São Paulo aqui.

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Após um pequeno drama com o ingresso (pois deixei para comprar na hora e precisei esperar três horas para ver o filme em um cinema de São Paulo), tive uma grata surpresa ao assistir o remake de “O Rei Leão”, fiel ao original, mas com uma inovação tecnológica surpreendente. Chega a parecer um documentário, de tão realista.

Claro que o fato de remeter à infância –para quem já tem idade suficiente para ter visto o original no cinema ou em fita de vídeo– é uma receita quase infalível. Na minha singela opinião, estamos tão absortos no imediatismo que esses deleites nostálgicos, que nos fazendo lembrar os “tempos de criança”, são um acalanto para o espírito.

“O Rei Leão” traz essa experiência incrível. Prova disso é que a sala do cinema estava lotada, e escutava-se o murmurinho de quem acompanhava as canções gravadas na memória da geração Y e cativantes para a Z (aui-mauê-aui-mauê…), mas com letras adaptadas ao presente.

Com uma comédia saudável e o que chamam de “politicamente correto”, acompanhamos o filhote Simba em sua jornada de crescimento e amadurecimento. É claro que o filme não vai agradar a todos; há, por exemplo, mais tempo do que a primeira produção, cenas de pura enrolação e algumas renovações nos personagens –como o vilão Scar, que se mostra mais sério, diria até menos ardiloso que o original.

As hienas, por sua vez, parecem mais assustadoras, e os idolatrados Timão e Pumba, que roubam a cena com humor, autenticidade, coragem e um tantinho de bobeira, fazem uma mistura que funciona muito bem nas animações (vemos a mesma receita em vários filmes de sucesso).

Os tutores de Simba ironizam o romance entre ele e Nala, mas abraçam a causa que ela traz sem dubitação. Já em Simba vemos a mesma personalidade do filme original: parece um tanto arrogante e egoísta até a reviravolta do retorno ao lar, impulsionado por uma Nala mais valente e empoderada.

Apesar de desviar o foco do romance entre Nala e Simba, ele acontece de forma leve e bonita –afinal a Disney não quer mais “problemas” com mensagens subliminares.

Gostei muito da forma como a produção consegue manter a fidelidade ao original que foi visto em nossa infância, sem deixar de marcar a nova geração com suas lições altruístas e de fácil compreensão. Isso tudo somado a uma realidade virtual pioneira, que encanta facilmente.

Como dica, recomendo a compra antecipada dos ingressos pela internet, para evitar as filas gigantescas e perda de tempo com a espera (como a que eu tive, por puro descuido). E aí, bora pro cinema?

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