Em peça sobre estupro, Débora Falabella provoca reflexão com humor ácido
Uma das coisas que eu mais gosto no teatro é que ele desperta sensações –físicas, mesmo. Você pode rir ou chorar, pode ficar com sono e até ter raiva. Não me lembro de ter assistido a uma peça e saído dela sem sentir nada. Creio que, se isso acontecer, será um indicativo de que a experiência não foi legal.
Dito isto, é impossível assistir a “Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante” e ir para casa impassível. A montagem com texto de Silvia Gomez, direção de Gabriel Fontes Paiva e interpretação de Débora Falabella e Yara de Noaves parte do estupro coletivo de quatro meninas no município de Castelo do Piauí, ocorrido em 2015.
O caso que chocou o país naquele ano norteia e impacta a peça, mas não é recontado diretamente. Na verdade, o crime serve de tema para um diálogo que oscila entre a poesia e o humor ácido, e que acontece entre uma jovem que delira após ser estuprada (Débora) e uma vigia (Yara) –que cuida do km 23 daquela rodovia.
É claro que falar de um tema duro como a violência contra a mulher gera tensão, sim. A começar pela primeira cena da peça –e aí, vai um spoiler– quando Débora simula o estupro coletivo. Mas o clima dramático é quebrado de tempos em tempos pelas intervenções da vigia, que assume a direção (ela palpita na iluminação, na trilha sonora e pede frases de efeito, como se estivesse regendo o espetáculo).
O próprio tom –cínico e delirante– da mulher violentada também ajuda nas quebras de tensão. Mas o que torna a montagem sobre um tema tão difícil ainda mais brilhante é, sem dúvida, a atuação das atrizes e o texto –que é ao mesmo tempo real e ficcional, privado e público.
Quando Débora Falabella segura fortemente os seios ao falar de sua dor, o espectador sente, na plateia, a dor que rasga o peito da mulher que foi estuprada. O aparente descaso da vigia no início do espetáculo, quando ela enfatiza que aquilo estava acontecendo de novo, que aquilo “sempre se repete no km 23”, também joga luz à realidade.
Quantos casos mais? Podemos nos tornar insensíveis?
“Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante” provoca, sim, reflexão. Mas também ganha pontos por lembrar a necessidade do espectador sair da frente da televisão e assistir aos atores ao vivo, no palco. É lá que a atuação, genuína, se torna realmente visceral.
Vale lembrar: a montagem terá só mais duas apresentações no teatro Vivo, nestas quarta (12) e quinta (13), e custa apenas R$ 20.
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Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante. Teatro Vivo – Av. Dr. Chucri Zaidan, 2.460, Morumbi, São Paulo. Qua. e qui.: 20h. Até 13/12. Ingressos: R$ 20, em sympla.com.br
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