Novo ‘O Homem Invisível’ foca a mulher e mostra homem opressor, aponta leitor

Nesta terça (3) vamos com o pitaco do leitor Adilson Carvalho, 50, do Rio de Janeiro. Adilson é professor e foi assistente do crítico de cinema Rubens Ewald Filho. Para o blog, ele escreve sobre “O Homem Invisível”, longa que entrou em cartaz nos cinemas na última semana.
No filme, uma mulher descobre que seu ex-namorado —um cientista brilhante, porém abusivo— cometeu suicídio e lhe deixou uma fortuna como herança, mas ela não acredita que ele de fato morreu. Quando eventos estranhos começam a acontecer, ela suspeita que ele na verdade descobriu uma forma de ficar invisível.
Confira, abaixo, a resenha do leitor.
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A literatura de ficção científica sempre se orgulhou de seu visionarismo, como no submarino Nautilius ou na viagem à lua idealizados por Júlio Verne –muitas décadas antes de sua concretização. Encabeçando a lista de avanços ainda não realizados está a invisibilidade, imaginada pelo escritor britânico H.G.Wells (1866-1946) não como o resultado de uma mágica, mas como um soro capaz de impedir a reflexão e a refração da luz.
De lá para cá, o mundo mudou –e tendo em vista o erro estratégico de quando transformaram “A Múmia” (The Mummy) em filme de ação centrado na figura de Tom Cruise–, a produtora Blumhouse assumiu a responsabilidade de tentar reiniciar o dark universe. O projeto, que nos seus estágios iniciais teve o nome de Johnny Depp atrelado a ele, foi refeito como uma história de relacionamento abusivo em “O Homem Invisível”. A trama se desenvolve em torno da personagem de Cecilia Kass (Elizabeth Moss, de “The Handmaid’s Tale”) e de seu ex-marido, cuja aparente morte a deixa uma mulher rica.
O diretor e roteirista Leigh Whannell foi feliz na decisão de jogar o foco da história na vítima em vez do monstro. Cecilia é perseguida por seu ex-marido, que desenvolveu a invisibilidade. O tema ganha a luz da atualidade por tratar de um relacionamento abusivo, como se seguisse a cartilha do movimento #MeToo por denunciar uma violência não apenas física, mas também psicológica.
Poderíamos estar ouvindo a melódica “Woman in Chains”, da banda Tears for Fears, e também entraríamos na mesma sintonia que a recente condenação do ex-magnata Harvey Weinstein. É curioso que seja um filme intitulado “Homem”, mas que saiba se identificar tão bem com a mulher atual. A modernização ainda funciona por resvalar na vulnerabilidade diante de um avanço tecnológico que viola a privacidade, sendo isso um grande acerto principalmente por se tratar de uma história que traz o legado de ter sido filmada pelo genial James Whale em 1933, e criada por um gênio da literatura de ficção científica, no caso de H.G.Wells.
Essa reinterpretação consegue aproveitar a essência desse legado com os monstros do mundo moderno, com os ecos de opressão vivida ainda por milhares de mulheres presas a um relacionamento violento. Quanto à forma, Whannell nitidamente se permite enveredar pelo thriller hitchcockiano, colocando sua heroína solitária diante de uma ameaça que a deixa muitas vezes à beira da insanidade.
No filme, Cecilia encontra ceticismo de todos, mas apoio do amigo de infância James (Aldiss Hodge) e de sua filha adolescente Sydney (Storm Reid) contra a ameaça que não pode ser vista, mas pode estar em qualquer lugar –se beneficiando do estado de paranoia que a vida moderna parece nos infundir. Não é exagero afirmar que o embate entre o vilão invisível, vivido por Oliver Jackson-Cohen (de “A Maldição da Residência Hill”), e a heroína visível, interpretada por Elizabeth Moss, certifica que os monstros do passado da Universal podem ser criativamente reimaginados –seja em sua forma em ou sua temática.

A atuação de Moss é intensa, crível, sem exageros, e movimenta a trama conferindo credibilidade. Ela é conduzida pelo mesmo diretor que evitou que “Sobrenatural 3” caísse no desgaste natural de uma sequência.
O tema musical de Benjamin Wallfisch é essencial para emoldurar o isolamento da protagonista sem precisar cair no clichê do “jump scare” (técnica usada com o intuito de assustar o público) gratuito que o gênero muitas vezes acaba por empregar. O efeito é permitir uma cumplicidade com a personagem que consegue ser vulnerável na medida certa, mas que desperta para a bravura de uma Sarah Connor, ou uma Ellen Ripley, só para lembrar alguns personagens femininos icônicos do cinema. Cecilia enfrenta seu nêmesis oculto cuja genialidade só é superada por seu ilimitado sadismo.
O cinema já mostrou o potencial militar de uma camuflagem invisível em “O Predador” e nas naves romulanas de “Star Trek”, mas coube a Elizabeth Moss enfrentar essa ameaça não como uma super heroína dos quadrinhos, mas como uma mulher que não aceita mais ser refém de um jogo doentio. E que se descobre capaz de se reerguer forte e corajosa –se fazendo, antes de tudo, visível.
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