Brasil é moralista e pouco fala sobre redução de danos, diz Letícia Colin após personagem viciada em crack
Quando Letícia Colin começou a viver Amanda, sua personagem em “Onde Está meu Coração”, a intenção era desconstruir a imagem desumanizada dos usuários de drogas. Na série, Amanda é uma médica jovem, casada, de classe média-alta e que aparentemente tem tudo –mas acaba perdendo o controle de sua vida por causa do vício no crack.
É na força da atuação da atriz e de seu núcleo familiar na trama (com destaques para Mariana Lima e Fábio Assunção), além da delicadeza em tratar da dependência química e de outros temas que a permeiam –como alcoolismo e uso de estratégias que visam reduzir os efeitos negativos das drogas sem a necessidade da abstinência– que a série realista se destaca.
“O crack gera um vício violento porque é muito rápido. A pessoa se esquece de beber água, de comer, e isso faz com que ela fique com o corpo muito debilitado, perdendo as características de sua caminhada. Então julgamos, como se ali não houvesse mais alguém que tem família, sonhos e afetos”, relata Letícia.
Conforme a série adentra o vício de Amanda, revela também outras compulsões mais aceitas pela sociedade –o pai dela, também médico, tem uma amante e é alcoolista. A irmã busca na castidade e na religião a solução para uma tragédia familiar. O marido de Amanda, egocêntrico, vê em fortuna e ostentação sua realização de vida. Orbita a obra, assim, a hipocrisia.
Ao acompanhar a imersão da personagem na clínica de reabilitação e as tentativas desesperadas da mãe de trazer a filha de volta a si, “Onde Está meu Coração” revela questões ainda tabu, mas que precisam ser levantadas. É certo criminalizar o usuário ou dependente de drogas? Por que o álcool é permitido, e a maconha não? Como devolver o dependente ao convívio social?
“Nossa juventude bebe loucamente, um problema seríssimo, e a maconha é que é vista como vilã. Isso é uma mentira conveniente que vem sendo contada e propagada por um governo moralista, ultrapassado e autoritário”, segue Letícia Colin. “A gente pouco fala no Brasil da redução de danos –esse assunto é muito abafado por políticas moralistas, religiosas, quando o Estado deveria ser laico.”
Os dez episódios de “Onde Está meu Coração” ganham ainda mais potência com a rica trilha sonora composta por Nick Cave, Nina Simone e Elvis Presley. E por uma das músicas mais belas da série: “Experiencie”, de Ludovico Einaudi.
Por enquanto não há confirmação de nova temporada, mas fica a torcida pela continuação dessa obra tão necessária.
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